O cheiro da carne

Cansei desse exotismo todo. Eu vejo muita coisa louca, exótica, gritante. Até o good vibes e as franjas da sua bota e do seu kimono já me encheram o saco.

O batom roxo é lindo, o preto é mais ainda. Mas eu cansei. Cansei de postar foto e de curtir a dos outros, cansei de descer o feed, cansei de ver os snaps do mundo todo. Eu quero ouvir música alta, no Lollapalooza, tomar um sol na cara. Um sol de verdade, não esse sol de Ibiza que todos estão tomando, nem esse sol que incomoda na hora do almoço aqui em SP. Eu cansei de carregar milhões de blusas.

Ontem eu sai de vestido e sapatilha, mas levei uma meia calça e um suéter de lã. E não pense você que eu não usei o suéter. Fim da noite estava lá, o frio congelante. Qual é dessa região brasileira, ou desse estado onde só se houve críticas à Dilma, onde todo mundo procura emprego, onde as pessoas ouvem as mesmas músicas. Até os mais descolados deixaram de ser descolados. Cola-se brilhos na cara, usa-se brincos no nariz, passa-se lápis na sobrancelha e cada dia eu quero um óculos de sol diferente, porque todo mundo parece ter um pra cada dia.

Quero poder enfiar a mão num barril com algum grão, milho ou feijão quem sabe. É tão simples. Quero sentir o cheiro de carne fresca do mercadinho aqui do lado de casa, que não é o cheiro mais elegante do mundo, na verdade ele é horrível. Mas ele é sincero.

Não é cheiro de Melissa, nem de livro novo, nem do perfume da sua amiga rica, nem do shampoo de cabelo do seu amigo. É o cheiro da carne do caminhão que descarrega seus boizinhos e vaquinhas aqui do lado, toda semana.

É o mesmo cheiro do sabão em pó que esfregavam o chão na minha escola, as 15h, quando eu tinha aula a tarde. É o cheiro da cama da minha vó. É o cheiro do perfume da minha tia, que pode ter mudado durante anos, mas sempre vai ser o "cheiro da minha tia". É o cheiro que ficou no relógio da minha prima quando ela me emprestou.

Eu fico de frente a uma janela enorme de vidro, todos os dias. Tenho acesso a copa de uma árvore enorme, dois prédios sendo construídos e trabalho sob um silêncio simplesmente incrível. Nesse silêncio não há Air Max, brincos de pompom, casacos de pelo, a música nova do Justin Bieber e nem aquele sorvete caseiro com gosto “exótico”.

Esse silêncio é o cheiro da carne que chega aqui do lado de casa toda semana.


O silêncio que simplifica aquela foto que você fica horas editando, que simplifica aquele monte de conta que você tem que pagar. Aquele silêncio que nos deixa mais calmos, mesmo que por um segundo. Cada um tem seu cheiro da carne onde encontrar abrigo, ou uma brecha no tempo, no dia, nos problemas. Pode ser nostálgico ou não, pode ser triste ou não, pode ter o mesmo efeito que teve pra mim ou não.

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