Quinta-feira dos meus sonhos

Não queria ter conhecido aquele rapaz do jeito que o conheci.
Queria que fosse alguma coisa mágica, ou inesperada, talvez andando na Livraria Cultura, ou tirando uma foto de alguém na Paulista. Poderia contar para nossos filhos que foi totalmente inesperado nosso encontro, e mais inesperado ainda nosso amor "à primeira vista". Minha vontade era poder fazer um discurso pra família, no jantar de noivado, falando das minhas sensações e sentimentos quando me deparei com aquele rapaz lindo e diferente que passava perto do Masp, naquela tarde de domingo. Seria incrível poder falar para os nossos amigos que eu que paguei nosso primeiro algodão-doce, que aquele senhor vendia na esquina, e fazer disso nossa primeira ambiguidade de casal apaixonado.
Infelizmente não vou poder fazer isso. Porque quando o conheci estava sob efeito biológico de alguns mililitros de álcool no sangue, do copo de uma amiga. E assim, com uma dose suficientemente capaz de me transpor às minhas leis da vergonha e coragem. Diria Clarice que são as epifanias que nos transformam e nos fazem ver o mundo de outro jeito, sob um outro ângulo. Mas diria que o arrependimento é o causador disso tudo, pois é a partir do momento que nos colocamos na nossa rotina e nos lembramos de quem somos, é que temos a descoberta dos erros do passado.
Mas não foi um erro tão brutal chegar naquele rapaz e deixar claro que queria beijá-lo.
Poxa vida ! O beijo !
O tão esperado ato que demora a ser contado nos livros, e quando o é, está cheio de detalhes e paixões e sensibilidade e estrelas brilhando no céu. O tão esperado momento daquele filme todo romântico que faz as solteiras suspirarem de vontade de ter alguém daquele porte na sua vida.
Pensando assim, foi péssimo o que aconteceu.
Amor de balada é um saco.
Normalmente a pessoa tem algum amigo em comum no Facebook, normalmente as pessoas acabam achando aquele "gatinho" da noite passada, um mané pelas fotos que posta no Instagram, normalmente a conversa não tem nexo depois daquele dia, normalmente perde todo o encanto depois daquele ficada.
Tem casal que dá certo, fica tudo a mil maravilhas e acabam inclusive se casando e tendo filhos. Imagina ? Com aquele carinha da balada na Augusta ? Só pra quem pode.
Admiro amores que nascem do nada, como numa noite dessas. Mas eu queria encontrar o amor da mina vida bem longe de luzes neon, de música alta e de barulhos de garrafas sendo jogadas nas lixeiras. Ou até mesmo longe daquele hálito nada agradável de cerveja. Ou daqueles fios de cabelo com cheiro de cigarro, advindos de alguns segundos no tal fumódromo.
Poderia ser pior e não o ter conhecido.
Poderia ser pior e não ter algum tipo de relação afetiva mutual entre nós dois. Afinal, ele me beijou, eu beijei ele, sei o nome dele e lembro das coisas que falou.
É claro que não houve uma insistência da parte dele em continuar comigo a noite toda, e nem minha, já que não sabia quem ele era essencialmente. Ah, se eu soubesse !
Poderia ser pior e eu não saber quem ele era.
Poderia ser pior e ele não ter me falado que ele era o tal Índio das fotos. Como iniciaria minha busca incessante atrás daquele jovem rapaz que estava com a barba por fazer ? Ainda bem que ele falou, e ainda bem que eu me lembrei, e ainda bem que ele estava marcado na foto.
Mas tudo isso para quê ?
Para eu me apaixonar por uma ideia. Pela ideia de que se não fosse do jeito de foi, teria sido melhor.
Quem dirá que se não fosse o ocorrido daquela noite, eu conseguiria ter algum tipo de aproximação dele ? Quem dirá que não teria a sorte de poder adicioná-lo na rede social insuportável, mas agradável, e poder conversar com ele ?
Eu poderia ter a infelicidade quase comum à todos de admirar alguém por fotos, e criar um ideal de vida baseada em imagens e posts compartilhados e gostos musicais em comum. Mas, por algum motivo meu nível de proximidade dele está além, mesmo que bem pouco. Eu pude sentir bem mais que um olhar em uma noite cheia de tinta na cara. E mesmo tendo o beijado - ainda inconformada com isso -, não consigo acreditar que vai passar disso. É triste isso tudo. Mas muito relaxante ao mesmo tempo.
Poder escrever meu sentimento em relação a esse caso é muito esclarecedor, e quem sabe um dia, talvez numa quinta-feira dos meus sonhos ele venha a ler isso, e entender que minha vontade é bem maior que aquelas curtidas no Facebook e minha admiração pelo seu trabalho é bem mais intensa do que parece.
Imagina ele fotografando nosso dia-a-dia de casados ? Me ajudando com meus editoriais de moda ? E cantando Florence comigo enquanto preparo o jantar ? OK, saí das raízes da gravidade que me prendem a esse chão de verdades, e viajei no insólito de minha mente, ultrapassando os limites do tempo, querendo por algum momento visualizar meu futuro. (01/06/2013 - às 17h35)

Comentários

Anônimo disse…
...eu poderia dizer "sai da bolha" mas não farei isto,pois a pureza de suas palavras e a suavidade de seus sonhos e sentimentos tornam tudo possível e verdadeiro,e ,sinceramente pode estar bem perto de acontecer.Mas lembre-se,nosso tempo não é o mesmo de Deus,então... lindo,suave,emocionante! Mamis!